Quais são as possíveis consequências da restrição de uso da internet imposta pelas operadoras

Postagem feita originalmente em Nexo por André Cabette Fábio

Limite de consumo de dados não impactará apenas nos filmes e séries, mas impacta pesquisas e outros trabalhos. Sociedade civil prepara reação contra a medida


Quando saiu a notícia da divulgação de 11,5 milhões de documentos no vazamento que ficou conhecido como “Panama Papers”, o analista de sistemas Pedro Cordeiro, 27, percebeu que, mesmo se tivesse acesso livre aos dados brutos, não conseguiria baixá-los para realizar uma pesquisa independente. O seu limite de consumo de internet, imposto pela operadora Net, não permitiria que ele baixasse tal volume de documentos.


Até o final deste ano, as maiores operadoras de internet no Brasil terão restrições no consumo de dados dos usuários. De forma similar ao que acontece com a internet por celular, quem ultrapassa sua cota mensal terá a velocidade da internet reduzida ou cortada. Isso já é feito nas operadoras Net, Oi e, a partir de 2017, será feito também na Vivo.


É a primeira vez que as operadoras adotam esse tipo de limite na internet fixa. Antes, os usuários compravam o plano pela velocidade, mas podiam consumir quanta internet queriam. Agora, de uma vez, todas as operadoras decidiram fixar um limite de consumo, penalizando os usuários que usarem mais do que o pré-definido em seu contrato.


Cordeiro, especialista em ciência de dados pela Universidade John Hopkins, fez um post no fórum Reddit relatando a situação. Pelas contas dele, baixar os dados (no caso do “Panama Papers”, são 2.6 TB de informações) levaria pelo menos 20 meses em seu caso. Ele tem um plano mediano, que restringe seu consumo a 100 gigabytes.


“Eu não tenho sequer a opção de ser pesquisador independente, porque a franquia impossibilitou meu acesso à informação”, criticou. A possibilidade levantada por Cordeiro mostra que a restrição imposta pelas operadoras vai além de limitar o acesso a filmes, séries e games - que, normalmente, consomem mais internet. Seu impacto é em várias áreas diferentes e vai além do entretenimento.



Quem pode ser impactado com a restrição


Pesquisadores


Qualquer pessoa que precise fazer download de um volume grande de dados para pesquisa será impactada. Para se ter uma ideia, apenas para ter acesso às informações que serviram como base para o mapa da segregação racial, o Nexo consumiu 1,7 GB de dados.


Jogadores


Games consomem muita banda não apenas para ser baixados (Rise of the Tom Rider, por exemplo, consumiria 21 GB; Killer Instinct, 29 GB), mas também para serem jogados online. O site Adrenaline fez um experimento e, em 30 minutos de partida e um download, foram consumidos 30 GB. Já é mais do que os planos mais básicos das operadoras oferecem por mês.


Alunos de cursos à distância


Muitos cursos de universidades online, como a Khan Academy, oferecem aulas em vídeos. Ter uma restrição no consumo de dados dificulta o uso deste tipo de serviço (ou faz com que o consumidor tenha de escolher entre o que quer ver - uma aula ou uma série, por exemplo).


Fãs de séries


Uma hora de streaming de vídeo no Netflix consome mais ou menos 1 GB de dados (ou 3 GB, se a opção do usuário for assistir em alta resolução). Dois episódios por dia em alta resolução são suficientes para acabar com uma franquia de 180 GB por mês - o maior plano da Net, por exemplo, estabelece um limite de 200 GB. O da Vivo é limitado em 130 GB.


Famílias ou pessoas que compartilham a internet


Os limites são fixados por plano contratado. Ou seja: se uma pessoa da casa quer ver uma série no Netflix e a outra quer baixar um grande volume de dados para uma pesquisa, as duas consomem os dados da franquia - e, portanto, o limite será atingido mais cedo.



Como a sociedade civil está se organizando contra a restrição#


A limitação no consumo de dados é permitida pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que impôs duas regras para isso: disponibilizar uma ferramenta para que o usuário acompanhe o consumo e informar quando o limite está próximo.


Mas duas das maiores entidades de defesa do consumidor, a ProTeste e o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) preparam ações contra a medida. Para elas, as operadoras estão agindo de forma irregular.


“O Marco Civil da Internet prevê que a internet é um serviço essencial, para todos e não pode ser cortado a não ser por falta de pagamento. O consumidor não pode ser conivente com esse corte”, disse ao Nexo Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste. A entidade move uma ação contra os limites impostos pelas operadoras Vivo, Oi, Claro, Tim e Net.


O Idec também entrou neste mês com uma ação civil pública. Ela se baseia no mesmo artigo usado como referência pela ProTeste e também no Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual o preço de um serviço não pode ser elevado sem justa causa, o que tornaria nulos os contratos que usam o novo modelo de franquias. “A alteração foi feita sem justificativa técnica ou econômica”, argumenta Rafael Zanatta, pesquisador em telecomunicações da entidade.


O instituto estuda também levar o caso ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O argumento é que a medida foi tomada de forma coordenada por empresas que concentram mais de 90% do mercado em um período de menos de três meses.



“É um crime contra a ordem econômica, um falseamento do regime de livre mercado. O consumidor não tem para onde correr.”

Rafael Zanatta


Pesquisador em telecomunicações do Idec


Zanatta avalia que a medida deve também criar duas classes de acesso à internet no Brasil, uma para os mais pobres e outra para os que têm dinheiro para contratar os planos mais caros. “O governo federal está assoberbado com impeachment e não está olhando para o problema. Os usuários das plataformas precisam entender o caso e se manifestar”, afirma.


Há mais iniciativas em curso contra a medida. Pedro Cordeiro planeja criar, junto a amigos advogados, uma associação chamada Internet Justa. O grupo está preparando uma ação civil pública contra as operadoras e quer mover uma ação popular contra a Anatel por omissão sobre o assunto.


Com 139 mil curtidas em sua página no Facebook, o Movimento Internet sem Limites também busca divulgar a mudança e articular internautas descontentes. Pelo menos dois abaixo assinados on-line, um com mais de 36 mil e outro com mais de 665 mil assinaturas, se manifestam contra a medida das operadoras.

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